”NEUROMANCER” É INFLUENTE, REFLEXIVO E MELANCÓLICO
A ficção científica sempre propôs discussões sobre o envolvimento tecnológico e ofereceu uma visão futurista em sua maioria, positiva. Porém, durante a ascensão do mundo globalizado, as obras propuseram um tom mais pessimista para o futuro, como por exemplo, Blade Runner, de 1982, um filme precedente do sub gênero cyberpunk, caracterizado pela rebeldia, pelo domínio corporativo e pela dependência excessiva da tecnologia. Entretanto, na literatura, Neuromancer, do autor William Gibson, foi um dos maiores responsáveis pela difusão dessa vertente.
Na trama, Case um cowboy (Sinônimo de hacker no livro) executa um serviço e em um ato de rebeldia, rouba de seus patrões. Consequentemente seus empregadores injetam neurotoxinas em seus órgãos internos como punição. Agora, ele vive apenas esperando por sua inevitável morte como um viciado. Quando ele conhece a assassina misteriosa Molly Millions, é levado a executar um novo serviço em troca da restauração de seus órgãos internos.
Neuromancer inicia com uma passagem iconica: ”O céu sobre o porto tinha cor de uma televisão num canal fora do ar”. Com a utilização de uma frase, Gibson estabelece perfeitamente o tom da narrativa, fria, a derrota do âmbito natural para o tecnológico, a apatia, todo o universo é muito bem construído, apesar da sua escrita utilizar digressões em determinados momentos, nada consegue diminuir a simplicidade e a precisão em descrever cada local estabelecido aqui.
Como o meio influencia o homem, ou o homem influencia o meio, os personagens são tão frios e apáticos quanto o ambiente descrito. É interessante notar como nenhum deles possui um compasso moral nem mesmo o protagonista, apesar do escritor conseguir convencer o leitor a prezar pela vida dele, quando nem eles o mesmo faz. A vida em Neuromancer é vazia, a sociedade quer escapar da realidade, através do ciberespaço, onde não há limites. As mega corporações lutam para alcançar esse espaço ilimitado, todos os empresários são tenebrosos e possuem um passado perturbador, o qual é perfeitamente conectado com a trama principal.
Além de iniciar o cyberpunk, Neuromancer serviu como inspiração para o revolucionar Matrix, de 1999. O próprio título é uma referência direta ao ciberespaço idealizado por Gibson, a cidade de Zion, a qual a resistência precisa proteger, também surgiu na obra. Porém, a mais notável é a personagem Trinity, um retrato quase idêntico da personagem Molly, tanto em personalidade, quanto em visual, com as lentes espelhadas e as vestimentas de couro. Apesar de utilizar alguns elementos da obra, o filme retrata a jornada de um herói contra um sistema opressor, enquanto o livro, não possui uma figura heroica.
Neuromancer é inegavelmente um marco para a literatura de ficção científica. É uma leitura difícil, pautada por diversas digressões e descrições de espaços além da compreensão física, mas quando compreendida, é uma obra extremamente reflexiva, crítica, prazerosa e acima de tudo, melancólica. É um ótimo início para a trilogia Sprawl escrita por Gibson, composta por mais dois livros: Count Zero e Monalisa Overdrive.
Ficha do Artista
Aluno: João Guilherme Fidelis
Turma: 2˚ ano [2019]
Idade: 17 anos
Adicionais: Texto escrito para a página Torre de Vigilância.
Ficha Técnica
Título: ”Neuromancer”
Ano: 1984
Autor: William Gibson
Gênero: Ficção Científica
Edição: 5˚
Ano de republicação: 2016
Páginas: 320